Visão Adventista sobre a Inspiração Divina das Escrituras
RICK BARKER
Quando comecei a escrever os artigos sobre as Crenças Fundamentais quase uma década atrás, eu precisei colocar todos os meus comentários no espaço de apenas uma coluna na revista impressa. Nem sempre eu pude expor meus argumentos da forma que eu gostaria de fazê-lo. Eu raramente tive espaço para explicar as razões pelas quais cristãos tradicionais e evangélicos possuem visões diferentes daquelas que os Adventistas promovem.
A visão que uma pessoa tem sobre a inspiração divina da Bíblia fundamenta sua compreensão de todas as suas outras crenças doutrinárias. Entender o que alguém quer dizer quando afirma crer na inspiração das Escrituras é uma tarefa complexa porque há diferenças sutis, mas profundas, que se baseiam em uma compreensão profunda de alguns termos técnicos. Uma das compreensões mais importantes é a distinção entre infalibilidade e inerrância.
Não existe uma única visão que é tida como a teoria principal porque, mesmo com estes termos técnicos, existem nuances que levam a discordâncias. Qualquer crítica do ensino e da doutrina Adventista do Sétimo Dia sobre a inspiração das Escrituras precisa começar com uma visão mais geral das coisas. Então, vamos começar a analisar o significado dos termos:
• Ditada ou Mecânica – Deus ditou as palavras da Escritura, e os escritores as registraram palavra por palavra. Esta visão é frequentemente confundida com a próxima abordagem que trataremos. Muitas vezes esta confusão é intencionalmente instigada por críticos da visão verbal e plenária.
• Verbal e Plenária – Escritores humanos foram guiados por Deus para produzir as palavras da Escritura. Ainda que os estilos e a experiência com escrita dos escritores tenham sido mantidos, a orientação direta de Deus assegurou que as palavras escolhidas fossem completamente precisas. A Palavra de Deus como documento escrito é uma combinação completa e perfeita entre Deus e o homem assim como o Verbo que se fez carne é simultaneamente completamente homem e completamente Deus. Termos e as suas definições são importantes, particularmente quando nos aprofundarmos na análise dos ensinos Adventistas. A expressão “inspiração verbal e plenária” enfatiza duas coisas. Plenária significa cheia ou completa. Quando se refere à inspiração bíblica a palavra nos diz especificamente que todas as partes da Bíblia são igualmente inspiradas. Em termos práticos, isto significa que as palavras faladas por Cristo não possuem uma precisão ou autoridade maior que quaisquer outras palavras nas Escrituras. Unir a palavra “verbal” à palavra plenária indica que a inspiração, precisão e autoridade se aplicam às palavras que foram escolhidas. Verbal e plenária é a doutrina evangélica cristã predominante sobre a inspiração e é a minha visão pessoal sobre o assunto.
• Dinâmica – Escritores humanos receberam entendimento inspirado de Deus e ficaram à mercê das suas próprias habilidades para expressar este entendimento. A mensagem subjacente das Escrituras é inspirada, mas as palavras e afirmações específicas são produzidas apenas por seres humanos.
• Inspiracional – A inspiração divina provém do impacto que ela gera do leitor ou ouvinte. A inspiração da Bíblia é similar à inspiração de um bom sermão, uma boa história, ou qualquer outro livro. Deus usa a mensagem para tocar uma pessoa individualmente. A natureza inspirada da obra não é o conteúdo da mesma, mas o impacto que ela tem sobre você.
Inerrância e Infalibilidade
Outra importante definição sobre as diferentes visões da inspiração é a diferença entre inerrância e infalibilidade. Apesar de as palavras inerrante e infalível soarem como termos equivalentes, elas não o são. Elas são utilizadas para comunicar compreensões ligeiramente distintas. Antes de eu começar a fazer essas distinções, eu gostaria de ressaltar que a visão histórica dos líderes evangélicos é de que a Escritura é tanto infalível como inerrante. Infalível significa que o documento comunica a intenção do autor de forma precisa e completa. Inerrância significa que o documento não possui erros em seu conteúdo. A infalibilidade é mais um conceito geral ao passo que a inerrância trata dos detalhes específicos. Seria impreciso e incompleto concluir que uma destas duas seja um padrão “mais elevado” ou exigente.
O força do termo infalibilidade é em grande medida baseada em como a intenção do Autor é definida por aquele que usa o termo. As Escrituras podem ser consideradas infalíveis de forma geral, pois cremos que Deus comunicou precisa e completamente tudo que Ele quer que nós saibamos. Todavia, se definirmos a intenção textual das Escrituras de outra maneira, a infalibilidade pode tomar um significado muito diferente. Por exemplo, se a Escritura é infalível apenas em comunicar o caráter de Deus, pode haver diversos outros assuntos cobertos por ela que não mais sejam precisos e completos. Se a infalibilidade das Escrituras comunica a intenção de Deus para o casamento, então o casamento é entre homem e mulher e é idealmente entre um homem e uma mulher. Contudo, se as Escrituras são infalíveis apenas no que tange ao caráter de Deus, então podemos concluir que as descrições de casamento e os ensinamentos sobre o casamento encontrados na Bíblia poderiam estar imprecisos ou incompletos e, portanto, poderíamos apoiar um casamento entre dois homens. A forma como se define ou se limita o escopo da intenção de Deus em Sua Palavra mudará drasticamente a forma como uma pessoa compreende as Escrituras. Esta é uma das razões pelas quais vemos diferenças em doutrinas e práticas entre igrejas que se apoiam na Bíblia para construir sua doutrina.
A inerrância é um padrão sutilmente diferente, ele demanda que tudo quanto foi afirmado pela Bíblia seja livre de erro. Contrariamente aos argumentos falaciosos criados para desacreditar a inerrância, isto não significa que nós precisamos aceitar a ideia de que a Terra está assentada sobre colunas ou alicerces (veja, por exemplo, 1 Sm 2:8; Sl 75:3); pelo contrário, nós podemos distinguir linguagem figurada e poética de afirmativas históricas e didáticas. O desafio para os que adotam a inerrância é definir uma hermenêutica consistente para distinguir qual é o tipo de linguagem que está sendo empregada (por exemplo, se a passagem usa de linguagem poética ou histórica).
A doutrina Adventista afirma a infalibilidade, dentro de um escopo limitado. A visão Adventista da inspiração bíblica é repleta de nuance. É incorreto concluir simplesmente que a visão Adventista da inspiração bíblica esteja fora da interpretação da maior parte do Cristianismo e seguir em frente. Sem um forte comprometimento com os ensinamentos apresentados na Bíblia, o Adventismo perde qualquer razão para sua existência. Na realidade, sem uma afirmação de crença nos ensinamentos da Bíblia, o Adventismo não pode ser a “igreja remanescente”, não pode ser a igreja que apresenta a mensagem do terceiro anjo ao mundo, e frequentemente teria que desistir dos argumentos mais comumente usados para validar suas doutrinas. Por exemplo, os estudos bíblicos Adventistas dão enorme importância à palavra “lembra-te” no mandamento do Sábado, e isto requer uma crença subjacente na precisão das Escrituras.
Todavia, as tentativas de defender e justificar os escritos de sua Profetisa, Ellen G. White, leva difíceis desafios aos Adventistas. Sem Ellen White, a igreja Adventista perde sua habilidade de se intitular a igreja remanescente que possui o Espírito de Profecia. Ao mesmo tempo, é claro que a Sra. White se contradisse várias vezes e fez afirmações que são claramente errôneas. Com isso, se a igreja Adventista pretende se apoiar em Ellen White enquanto ignora ou anula muitas de suas afirmativas problemáticas, ela necessita de uma visão da inspiração bíblica que permita isto.
A “Verdade Presente”
Uma ferramenta doutrinária que permite corrigir a imagem de Ellen White é a doutrina Adventista da Verdade Presente. As frases mais recentes de Ellen White podem contradizer as anteriores porque cada afirmação era a “verdade” para aquele ponto específico no tempo. Esta racionalização também pode se aplicar retroativamente para explicar qualquer contradição entre Ellen White e as Escrituras. Ambas eram “verdadeiras” para o momento em que foram escritas, e a verdade mais recente (Ellen White) pode superar a verdade antiga por ser mais atual.
A outra ferramenta doutrinária é abraçar uma visão muito limitada da infalibilidade. Uma vez que se aceita amplamente que os escritos de Ellen White não são 100% verdadeiros e precisos, os apologetas Adventistas focam em promover uma visão da inspiração divina das Escrituras que permita erros e falsidades em grau similar ao que a profetisa de sua igreja comete. E o resultado final é, frequentemente, uma visão muito maleável, tanto de Ellen White como da Bíblia, onde a verdade está à mercê de indivíduos (ou comitês eclesiásticos). A verdade se torna aquilo que o leitor desejar, e tudo que não se alinha a esses desejos pode ser taxado de erro, ou pelo menos fatos históricos que eram verdadeiros no passado, mas não mais se aplicam.
O desafio a esta visão é que não se pode, de forma legítima, adotar as doutrinas do sola Scriptura e verdades pessoais. Crer em um nega a veracidade do outro. É possível encontrar diversas igrejas que escolheram as verdades pessoais e acusaram as doutrinas de causarem divisão. Outras igrejas observaram estes ocorridos e adotaram mais firmemente a inerrância das Escrituras. Eu afirmo que a igreja Adventista tenta, de maneira geral, manter um pé em cada barco, deslocando o peso de um pé para o outro a depender de sua necessidade específica (com exceção da ala liberal da igreja Adventista, que adotou para si a posição das “verdades pessoais”).
Seria errôneo concluir que a igreja Adventista e seus membros não creem na Bíblia ou não a levam a sério. Contudo, é importante compreender a visão Adventista da inspiração bíblica e da Verdade Presente para avaliar suas doutrinas e compreender as explicações dadas para os seus ensinamentos.
É oportuno que as Crenças Fundamentais Adventistas comecem com a sua visão sobre a inspiração divina das Escrituras. Todas as outras doutrinas partem deste ponto inicial.
Traduzido por :
Henrique Amaral, Tradutor Freelancer
Henrique.Amaral@translations.com