EXAMINANDO O ADVENTISMO – As Escrituras São mesmo Inspiradas?


RICK BARKER
EXAMINANDO O ADVENTISMO

CRENÇA FUNDAMENTAL DO ADVENTISMO #1: As Sagradas Escrituras, o Antigo e Novo Testamentos, são a Palavra de Deus escrita, dada por inspiração divina. Os autores inspirados falaram e escreveram ao serem movidos pelo Espírito Santo. Nesta Palavra, Deus transmitiu à humanidade o conhecimento necessário para a salvação. As Escrituras Sagradas são a revelação infalível, suprema e repleta de autoridade de sua vontade. Constituem o padrão de caráter, a prova da experiência, o revelador definitivo de doutrinas e o registro fidedigno dos atos de Deus na história. (Sl. 119:105; Pv. 30:5, 6; Is. 8:20; Jo. 17:17; 1 Ts. 2:13; 2 Tm. 3:16, 17; Hb. 4:12; 2 Pe. 1:20, 21.)
A visão que uma pessoa possui sobre a inspiração divina da Bíblia fundamenta sua compreensão de todas as outras doutrinas. Entender o que alguém quer dizer quando afirma crer na inspiração das Escrituras é uma tarefa complexa pois existem diferenças sutis, mas profundas, que se encontram na compreensão de alguns termos técnicos. Uma das mais importantes é a distinção entre infalibilidade e inerrância.
Não existe uma única visão que é tida como dominante porque, mesmo usando estes termos técnicos, há nuances que nos levam a discordâncias. Qualquer crítica do ensino e da doutrina Adventista do Sétimo Dia sobre este tema precisa começar de olho neste contexto global. Então, vamos começar a analisar o significado dos termos:
• Ditada – Deus ditou as palavras da Escritura, e os escritores as registraram palavra por palavra. Esta visão é frequentemente confundida com a próxima abordagem. Muitas vezes essa confusão é intencionalmente instigada por críticos da visão verbal e plenária.
• Verbal e Plenária – Escritores humanos foram guiados por Deus para produzir as palavras das Escrituras. Ainda que os estilos e a experiência com escrita deles tenham se mantido, a orientação direta de Deus assegurou que as palavras escolhidas fossem completamente precisas. A Palavra de Deus como um documento escrito é uma combinação completa e perfeita entre Deus e o homem assim como o Verbo que se fez carne é simultaneamente completamente homem e completamente Deus. Termos e as suas definições são importantes, especialmente ao nos aprofundarmos na análise dos ensinos Adventistas do Sétimo Dia. A expressão “inspiração verbal e plenária” enfatiza duas coisas. Plenária significa cheia ou completa. Quando esta palavra se refere à inspiração bíblica, ela nos diz especificamente que todas as partes da Bíblia são igualmente inspiradas. Em termos práticos, isto significa que as palavras faladas por Cristo não possuem precisão ou autoridade maiores que quaisquer outras palavras nas Escrituras. Unir a palavra “verbal” a “plenária” indica que a inspiração, a precisão e a autoridade se aplicam especificamente às palavras que foram escolhidas. Verbal e plenária é a doutrina cristã evangélica predominante sobre a inspiração e é a minha visão pessoal sobre o assunto.
• Dinâmica – Escritores humanos receberam entendimento inspirado a respeito de Deus e precisaram utilizar suas próprias habilidades para expressar esse entendimento. A mensagem subjacente das Escrituras é inspirada, mas as palavras e afirmações específicas foram produzidas unicamente por seres humanos.
• Inspiracional – A inspiração divina provém do impacto que ela gera sobre o leitor ou ouvinte. A inspiração da Bíblia é similar à inspiração de um bom sermão, uma história, ou qualquer outro livro. Deus usa a mensagem para tocar uma pessoa individualmente. A natureza inspirada não está no conteúdo da obra, mas no impacto que ela tem sobre o leitor.
Outra importante definição sobre as diferentes visões da inspiração é a diferença entre inerrância e infalibilidade. Apesar de as palavras inerrante e infalível soarem como termos equivalentes, elas não o são. Elas são utilizadas para transmitir compreensões ligeiramente distintas. Antes de eu começar a fazer essas distinções, eu gostaria de ressaltar que a visão histórica dos líderes evangélicos é de que a Escritura é infalível e inerrante. Infalível significa que o documento transmite a intenção do autor de forma precisa e completa. Inerrância significa que o documento não possui erros em seu conteúdo. A infalibilidade é mais um conceito geral ao passo que a inerrância trata dos detalhes específicos. Seria impreciso e incompleto concluir que uma destas duas seja “mais elevada” ou um padrão mais exigente.
A força do termo infalibilidade está, na maior parte, em como a intenção do Autor é definida por aquele que usa o termo. As Escrituras podem ser chamadas de infalíveis em um sentido geral, pois cremos que Deus transmitiu precisa e completamente tudo que Ele quer que nós saibamos. Porém, se definirmos a intenção das Escrituras de outra maneira, a infalibilidade pode tomar um significado muito diferente. Por exemplo, se a Escritura é infalível apenas em comunicar o caráter de Deus, pode haver vários outros assuntos cobertos por ela que não mais sejam precisos e completos. Se a infalibilidade das Escrituras transmite a intenção de Deus para o casamento, então o casamento é entre homem e mulher e é idealmente entre um homem e uma mulher. Contudo, se as Escrituras são infalíveis apenas no que tange ao caráter de Deus, então podemos concluir que as descrições e os ensinamentos sobre casamento encontrados na Bíblia podem estar imprecisos ou incompletos e, portanto, podemos apoiar um casamento entre dois homens. A forma como se define ou se limita o escopo da intenção de Deus no texto mudará drasticamente como a pessoa compreende as Escrituras. Esta é uma das razões pelas quais vemos diferenças em doutrina e práticas entre igrejas que contam com a Bíblia para sua construção doutrinária.
A inerrância é um padrão sutilmente diferente, ele demanda que tudo quanto é declarado pela Bíblia seja livre de erro. Contrariamente aos argumentos falaciosos criados para desacreditar a inerrância, isto não significa que nós precisemos aceitar a ideia de que a Terra está assentada sobre colunas ou alicerces (veja, por exemplo, 1 Sm. 2:8; Sl. 75:3); pelo contrário, nós distinguimos linguagem figurada e poética de expressões históricas e didáticas. O desafio para os que adotam a inerrância é definir uma hermenêutica consistente para distinguir qual tipo de linguagem está sendo empregada (por exemplo, a passagem é poética ou histórica?).
O que as Escrituras Dizem Sobre Inspiração
O que podemos aprender das Escrituras sobre inspiração? Vamos começar com o que as Escrituras nos dizem de forma direta:
• Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus’” (Mt. 4:4 — NVI).
• Ele (Jesus) lhe respondeu: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a praticam” (Lc. 8:21 — NVI).
• Se alguém pensa que é profeta ou espiritual, reconheça que o que lhes estou escrevendo é mandamento do Senhor (1 Co. 14:37 — NVI).
• Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça (2 Tm. 3:16 — NVI).
• Pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo (2 Pe. 1:21 — NVI).
O fato de a Escritura ter sido inspirada por Deus restringe nossa compreensão da inspiração. Deus é a fonte direta da Escritura; ela não é apenas uma coleção de escritos de pessoas piedosas a respeito de Deus. Também é importante notar que toda a Escritura é descrita como sendo oriunda da mesma fonte e possuindo o mesmo valor.
A passagem de Segunda Pedro pode nos levar mais perto de uma compreensão da natureza da inspiração. As palavras de um profeta vêm de Deus (“homens falaram da parte de Deus”), particularmente sob a direção do Espírito Santo. Isto não prova definitivamente que as palavras especificamente escolhidas da Escritura são inspiradas por Deus, mas certamente apoia a ideia da inspiração verbal.
Jesus se refere à Escritura como a “palavra de Deus” e especificamente como a “palavra que procede da boca de Deus”. Similarmente, na passagem de 1 Coríntios, Paulo afirma que as palavras que ele escreve são um mandamento vindo do Senhor. Claramente nem Jesus nem Paulo têm quaisquer problemas para atribuir as palavras na Escritura a Deus. Isto é importante, pois uma pergunta-chave acerca da inspiração é se as palavras específicas no texto da Escritura vêm de Deus, ou se apenas os conceitos vêm de Deus, e as palavras seriam meramente as melhores tentativas de uma pessoa em transmitir esses conceitos. Mais uma vez, a Escritura apoia a ideia de que as palavras, não apenas as ideias, vêm de Deus.
Tanto Jesus como Paulo usam as Escrituras de uma forma que só faz sentido se as palavras utilizadas especificamente no texto forem inspiradas e 100% precisas:
• Jesus lhes respondeu: “Não está escrito na Lei de vocês: ‘Eu disse: Vocês são deuses’? Se ele chamou ‘deuses’ àqueles a quem veio a palavra de Deus (e a Escritura não pode ser anulada), que dizer a respeito daquele a quem o Pai santificou e enviou ao mundo? Então, por que vocês me acusam de blasfêmia porque eu disse: Sou Filho de Deus? (João 10:34-36)
• Jesus respondeu: “Vocês estão enganados porque não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus! Na ressurreição, as pessoas não se casam nem são dadas em casamento; mas são como os anjos no céu. E quanto à ressurreição dos mortos, vocês não leram o que Deus lhes disse: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó’? Ele não é Deus de mortos, mas de vivos!” (Mt. 22:29-32 — NVI).
• Assim também as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. A Escritura não diz: “E aos seus descendentes”, como se falando de muitos, mas: “Ao seu descendente”, dando a entender que se trata de um só, isto é, Cristo. Quero dizer isto: A lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não anula a aliança previamente estabelecida por Deus, de modo que venha a invalidar a promessa. Pois, se a herança depende da lei, já não depende de promessa. Deus, porém, concedeu-a gratuitamente a Abraão mediante promessa. (Gl. 3:16-18 — NVI).
A resposta de Jesus aos fariseus no capítulo 10 de João se baseia na palavra “deuses” estar no plural no Salmo 82. A refutação que ele faz em Mateus 22 se baseia na conjugação de um verbo que está em Êxodo 3. A descrição de Paulo sobre como os gentios estão inclusos na aliança de Deus, e por isso salvos, se fundamenta na palavra “descendente” (ou “semente”) estar no singular em Gênesis 12. Nenhuma destas passagens faria sentido se Jesus e Paulo não acreditassem que as palavras especificamente utilizadas nas Escrituras são inspiradas e precisas. Isto nos remete ao fato de que toda a Escritura é inspirada por Deus. É necessário considerar que o nível de inspiração é igual para toda a extensão da Escritura; qualquer que seja a nossa conclusão sobre a inspiração das passagens mencionadas por Jesus e por Paulo, ela deve ser aplicável a toda a Escritura.
Vamos observar como a inspiração é descrita no Antigo Testamento:
Levantarei do meio dos seus irmãos um profeta como você; porei minhas palavras na sua boca, e ele lhes dirá tudo o que eu lhe ordenar. Se alguém não ouvir as minhas palavras, que o profeta falará em meu nome, eu mesmo lhe pedirei contas. Mas o profeta que ousar falar em meu nome alguma coisa que não lhe ordenei, ou que falar em nome de outros deuses, terá que ser morto”. Mas talvez vocês se perguntem: “Como saberemos se uma mensagem não vem do Senhor? ” Se o que o profeta proclamar em nome do Senhor não acontecer nem se cumprir, essa mensagem não vem do Senhor. Aquele profeta falou com presunção. Não tenham medo dele (Dt. 18:18-22 — NVI).
Esta passagem de Deuteronômio é ainda mais clara sobre a inspiração das palavras específicas. Deus diz, nesta passagem, que Ele coloca as Suas palavras na boca do profeta. Deus chama estas palavras de Suas próprias. A conclusão mais razoável que se pode extrair da descrição que a própria Escritura faz de si é que as palavras especificamente escolhidas no texto das Escrituras são diretamente inspiradas por Deus.
Esta mesma passagem em Deuteronômio também nos fala algo a respeito da precisão da Escritura. A passagem nos diz que se um profeta atribuir algo a Deus que não seja completamente verdadeiro, Deus manda que este profeta seja executado. Se a palavra inspirada de Deus não for completamente perfeita, Ele não estaria se colocando em padrão inferior àquele que Ele cobra de Seus profetas?
A possibilidade de haver erros no processo de inspiração também levanta suspeitas sobre o poder de Deus em Sua interação com as pessoas. O poder de Deus é limitado por Ele trabalhar através de pessoas imperfeitas? Colocando todo o resto de lado, eu creio que esta é a pergunta central ao decidir se é possível confiar que a palavra de Deus é completamente precisa. Se o poder de Deus é limitado pelo pecado e/ou pela vontade das pessoas, então é provável que o processo de inspiração seja imperfeito. Se Deus é mais poderoso que o pecado, então não há razão para crer que haja qualquer erro em Sua Palavra inspirada.
Eu acho interessante que a primeira tentação da humanidade foi questionar a precisão das palavras de Deus:
Ora, a serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor Deus tinha feito. E ela perguntou à mulher: “Foi isto mesmo que Deus disse: ‘Não comam de nenhum fruto das árvores do jardim’? ” (Gn. 3:1 — NVI).
Está na moda, em diversas igrejas, negar a precisão da Palavra de Deus. Quando as palavras nas Escrituras entram em conflito com as “iluminadas” opiniões da sociedade, nossa visão da inspiração se coloca à prova. A Escritura nos conta que todas as palavras contidas em si são de Deus e que podemos confiar plenamente na precisão delas. Será que podemos, realmente, crer na Escritura e ao mesmo tempo concluir que certas passagens são mais inspiradas ou precisas que outras?
Inspiração Dinâmica
Há muito mais potencial para interpretações enganosas se o foco estiver no pensamento por detrás de uma passagem em vez de nas palavras escolhidas no texto. Para ser justo, a maioria dos proponentes da inspiração dinâmica não tem a intenção de enganar ninguém e dão considerável importância às palavras utilizadas pelo texto. Para vários teólogos, isto é, antes de tudo, um debate acerca do “porquê” de relatos paralelos, tais como aqueles dos Evangelhos, possuírem pequenas variações e tem pouco ou nenhum impacto sobre a compreensão doutrinária. Todavia, este nem sempre é o caso.
O lado sombrio da inspiração dinâmica é deveras preocupante. A inspiração dinâmica introduz o conceito de que erros poderiam ter adentrado às Escrituras, pois seres humanos são imperfeitos em transmitir os pensamentos de Deus. O pensamento subjacente ao texto está perfeitamente correto, mas a forma pela qual eles são explicados em palavras pode conter erros. Não é difícil enxergar como indivíduos inescrupulosos podem manipular essa abordagem para negar declarações simples das Escrituras e substituí-las por um “tema” subjacente que apoia qualquer posição que eles desejem.
O fato de que as pessoas podem, facilmente, aplicar incorretamente ou mesmo reinterpretar a Escritura não é motivo suficiente para rejeitar esta doutrina. Contudo, eu argumento que a Bíblia ensina que examinar os frutos é uma das formas válidas de avaliação. O fruto ruim da inspiração dinâmica é que esta doutrina é facilmente aplicada para negar afirmativas claras da Escritura de forma a favorecer interpretações pessoais.
Um exemplo de como isto acontece pode ser encontrado na interpretação que se faz de 1 Tm. 3:1-7:
Esta afirmação é digna de confiança: se alguém deseja ser bispo, ele deseja uma nobre função. É necessário, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, sóbrio, prudente, respeitável, hospitaleiro e apto para ensinar; não deve ser apegado ao vinho, nem violento, mas sim amável, pacífico e não apegado ao dinheiro. Ele deve governar bem sua própria família, tendo os filhos sujeitos a ele, com toda a dignidade. Pois, se alguém não sabe governar sua própria família, como poderá cuidar da igreja de Deus? Não pode ser recém-convertido, para que não se ensoberbeça e caia na mesma condenação em que caiu o diabo. Também deve ter boa reputação perante os de fora, para que não caia em descrédito nem na cilada do diabo.
Se as palavras da Escritura são inspiradas, qualquer ministro (diácono, presbítero ou líder) deve ser um homem casado, heterossexual e monógamo. Contudo, se apenas os pensamentos na Escritura importam, então talvez um ministro precise apenas ser alguém que está em um relacionamento monogâmico. Esta é a base (ou, pelo menos, um elemento significativo) para a grande variedade de doutrinas eclesiásticas acerca da ordenação feminina e de homossexuais ao pastorado. Nenhum dos grupos está ignorando a Bíblia, eles apenas possuem visões muito diferentes sobre a natureza a inspiração bíblica.
Permita-me dar outro exemplo. Espero que todos os cristãos concordem que Deus é amor. Mas, a depender de nossa visão da inspiração da Escritura, esta verdade pode resultar em compreensões muito distintas. Para aqueles que aceitam a inspiração verbal e plenária e as aplicações “conservadoras” da inspiração dinâmica, a Bíblia descreve as ações de Deus, e Seus seguidores devem reconciliar suas ideias pessoais sobre o amor a essas descrições. Nós aceitamos que as ações de Deus, por mais estranhas que possam parecer a nós, definem o que significa ser amável, justo e misericordioso (para mencionar algumas das características de Deus que são igualmente e completamente verdadeiras). Na Bíblia, Deus ser amável não significam que Ele nunca confrontava as pessoas. Deus ser amável não significa que Ele não falasse a respeito do pecado das pessoas. Deus ser amável não significa que Ele não destruía aqueles que se opunham a Ele.
Contudo, há aqueles que tomam a verdade sobre o amor de Deus e chegam a conclusões totalmente diferentes acerca de como Ele reage aos problemas sociais de hoje em dia. O erro começa ao aplicar sua própria definição ao significado de amor. A justificativa frequentemente dada é “se até os seres humanos pecadores conseguem saber quando uma atitude é amorosa, então claramente Deus deve agir de acordo com a nossa compreensão.” Esta lógica nos permite definir tanto o amor como o caráter de Deus pelos valores do homem caído. Definindo o amor de uma forma que nos faça sentir bem, podemos prosseguir e determinar quais ações são, ou não, aceitáveis a Deus, independentemente do que a Escritura diga sobre qualquer desses assuntos. Porque não estamos de fato preocupados com o que a Escritura expressamente nos diz, mas apenas com os pensamentos que estão por detrás de seu texto. Tal como o pensamento de que Deus é amor.
A doutrina Adventista afirma a infalibilidade, mas sob uma visão limitada. A visão Adventista da inspiração é repleta de nuance. É incorreto concluir simplesmente que a visão Adventista da inspiração esteja fora da interpretação da maior parte do Cristianismo e seguir em frente. Sem haver um forte comprometimento com os ensinamentos apresentados na Bíblia, o Adventismo perde qualquer razão para existir. O Adventismo não pode ser a “igreja remanescente”, não pode ser a igreja que apresenta a mensagem do terceiro anjo ao mundo, e deve frequentemente deixar de lado os argumentos comumente usados em suas doutrinas. Por exemplo, os estudos bíblicos Adventistas dão enorme importância à palavra “lembra-te” no mandamento do Sábado, e isto requer que haja uma crença na precisão das Escrituras.
Todavia, as tentativas de defender e justificar os escritos de sua Profetisa, Ellen G. White, impõem grandes desafios aos Adventistas. Sem Ellen White, a igreja Adventista do Sétimo Dia perde sua habilidade de se intitular a igreja remanescente que possui o Espírito de Profecia. Ao mesmo tempo, é claro que a Sra. White se contradisse várias vezes e fez declarações que são claramente falsas. Se a igreja Adventista pretende se apoiar em Ellen White enquanto ignora ou anula muitas de suas frases problemáticas, ela necessita de uma visão da inspiração que permita isto.
Uma ferramenta doutrinária que permite corrigir a imagem de Ellen White é a doutrina Adventista da Verdade Presente. As declarações mais recentes de Ellen White podem contradizer as anteriores porque cada uma era a “verdade” para aquele determinado período. Isto também pode se aplicar em direção ao passado para explicar qualquer contradição entre Ellen White e as Escrituras. Ambas eram “verdadeiras” para o momento em que foram escritas, e a verdade mais recente (Ellen White) pode superar a verdade antiga por ser mais atual.
A outra ferramenta doutrinária é abraçar uma versão limitadíssima da infalibilidade. Uma vez que se aceita amplamente que os escritos de Ellen White não são 100% verdadeiros e precisos, os apologetas Adventistas focam em promover uma visão da inspiração divina das Escrituras que permita erros e falsidades na Bíblia em grau similar ao que a profetisa de sua igreja comete. E o resultado é, frequentemente, uma visão bastante maleável, tanto de Ellen White como da Bíblia, onde a verdade está à mercê dos indivíduos (ou de comitês eclesiásticos). A verdade se torna aquilo que o leitor desejar, e tudo que não se alinha a esses desejos pode ser taxado de erro, ou no mínimo de fatos históricos que foram verdadeiros no passado, mas não mais se aplicam. Se cada um de nós somos os que decidem o que é a “verdade presente”, então nos tornamos nossos próprios deuses. Somos os supremos detentores da verdade.
O desafio que surge é que não se pode, de forma legítima, adotar ao mesmo tempo as doutrinas do sola scriptura e nossas próprias verdades pessoais. Crer em um nega a veracidade do outro. É possível encontrar diversas igrejas que escolheram verdades pessoais e acusaram as doutrinas de causarem divisão. Outras igrejas observaram este ocorrido e adotaram mais firmemente a inerrância das Escrituras. Eu afirmo que a igreja Adventista tenta, de maneira geral, manter um pé em cada barco, deslocando o peso de um pé para o outro a depender de sua necessidade no momento (com exceção da ala liberal da igreja Adventista, que adotou para si a posição das “verdades pessoais”).
Seria errado concluir que a igreja Adventista e seus membros não creem na Bíblia ou não a levam a sério. Contudo, é importante compreender a visão Adventista da inspiração e da Verdade Presente para avaliar suas doutrinas e inspecionar as explicações dadas para seus ensinamentos.
É oportuno que as Crenças Fundamentais Adventistas comecem com a sua visão sobre a inspiração das Escrituras. Todas as outras doutrinas surgem deste ponto de partida.
A Doutrina Adventista do Sétimo Dia sobre a Inspiração
Descrever doutrinas Adventistas é desafiador por uma série de razões. Há uma considerável variedade de opiniões dentro da igreja Adventista, e essa diversidade de doutrinas é aceita, ou ao menos tolerada, dentro do Adventismo em diversos temas. É até possível que as Crenças Fundamentais tenham sido escritas de forma a permitir essa diversidade de opiniões. Os comentários que eu teço acerca de doutrina são baseados no que está escrito nas crenças afirmadas pela igreja Adventista e nos dois livros anteriormente publicados pela igreja explicando essas crenças. Estes refletem a doutrina que é consenso entre os líderes da igreja Adventista. Perceba a linguagem usada nesta publicação da primeira crença fundamental:
As Sagradas Escrituras, o Antigo e Novo Testamentos, são a Palavra de Deus escrita, dada por inspiração divina. Os autores inspirados falaram e escreveram ao serem movidos pelo Espírito Santo. Nesta Palavra, Deus transmitiu à humanidade o conhecimento necessário para a salvação. As Escrituras Sagradas são a revelação infalível, suprema e repleta de autoridade de sua vontade. Constituem o padrão de caráter, a prova da experiência, o revelador definitivo de doutrinas e o registro fidedigno dos atos de Deus na história.
Vamos examinar o enunciado desta crença no contexto dos termos e conceitos descritos anteriormente.
O enunciado da crença afirma a infalibilidade, mas não menciona a inerrância ou quaisquer outros conceitos associados a ela. O livro publicado para explicar estas crenças, Nisto Cremos (2012) descreve a inspiração como “A revelação divina concedida por meio da inspiração de Deus ou – conforme Pedro menciona, tendo em mente a revelação profética – ‘homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo'” (2 Pe. 1:21). Eles traduziram essas revelações em linguagem humana com todas as limitações e imperfeições de que ela se acha revestida, mas, ainda assim, aquele era o testemunho de Deus. Os homens – não as palavras – foram inspirados” (página 15).
Este livro contém várias citações de Ellen White (EGW) para definir o que é a inspiração: a Bíblia “não é a maneira de pensar e de se exprimir de Deus. Os seres humanos dirão muitas vezes que tal expressão não é própria de Deus. Ele, porém, não Se pôs à prova na Bíblia em palavras, em lógica, em retórica. Os escritores da Bíblia foram os instrumentos de Deus, não sua pena”.
“A inspiração não atua nas palavras do ser humano ou em suas expressões, mas na própria pessoa que, sob a influência do Espírito Santo, é dotada de pensamentos. As palavras, porém, recebem o cunho da mente individual. A mente divina é difusa. A mente divina, bem como sua vontade, é combinada com a mente e a vontade humanas; assim as declarações do ser humano são a palavra de Deus” (página 16).
Esta explicação da doutrina Adventista da inspiração revela claramente uma crença na inspiração dinâmica e sugere (“A mente divina é difusa”) que poderia haver erros no texto. Um artigo do Adventist Review (a revista semanal de notícias publicada pela Igreja Adventista) deixa claro que a igreja crê que existem erros na Bíblia. “Deus dá ao profeta liberdade para selecionar o tipo de linguagem que quer usar. Isso explica os diferentes estilos dos escritores bíblicos e a razão pela qual Ellen White descreve a linguagem usada por escritores inspirados como ‘imperfeita’ e ‘humana’. Tendo em vista que ‘tudo o que é humano é imperfeito’, devemos aceitar a ideia de imperfeições e erros tanto na Bíblia quanto nos escritos de Ellen White.” (“The Dynamics of Inspiration”, 30 de maio de 1996, pp. 22-28; a versão em português deste livro está contida em: STENCEL, R. (Org.). Espírito de Profecia: Orientações para a Igreja Remanescente. Engenheiro Coelho: Imprensa Universitária Adventista, 2012).
Uma expressão que se ouve rotineiramente na igreja Adventista, mas que está visivelmente ausente nas declarações oficiais sobre a doutrina da inspiração, é a “verdade presente”. Ao mesmo tempo em que a expressão é tipicamente um eufemismo para os escritos da profetisa Adventista, Ellen White, ela também revela uma crença subjacente na revelação progressiva.
Vamos explicar a “revelação progressiva”. A premissa da revelação progressiva é que Deus revela continuamente novas verdades à Sua criação. Esta doutrina possui um fundamento muito razoável: todo o Novo Testamento e a sua Nova Aliança.
Cria-se frequentemente uma falsa dicotomia quando se discute a revelação progressiva. As pessoas se deparam com duas opções. Uma posição é a de que Deus nunca muda e, portanto, tudo que vem depois dos livros de Moisés deve ser compreendido à luz do que Deus disse a Moisés (o exemplo mais extremo disso dentro de círculos cristãos seriam provavelmente alguns grupos dos Judeus Messiânicos). O argumento que a falsa dicotomia apresenta é a alternativa de que a Nova Aliança é prova de que Deus está continuamente alterando a “verdade.” O falso argumento diz que: se Deus não muda, então precisamos obedecer a tudo exatamente como foi exposto a Moisés ou que devemos aceitar que Deus continuamente altera e atualiza Suas instruções baseado no que as pessoas estejam prontas a aceitar.
Eu quero desenvolver esta ideia de que Deus muda Suas instruções baseado no que as pessoas estão prontas a aceitar, ou no que é importante para Deus em dado momento da história. Se for esse o caso, qual é a nossa base para a verdade? A Bíblia consegue oferecer respostas para o que é verdadeiro?
Infelizmente, a resposta é “Não!”. Dentro da estrutura desta linha de raciocínio, a Bíblia só pode abordar o que era importante para Deus nos períodos em que cada um de seus livros foram escritos. Assim, a Bíblia estaria 2000 anos desatualizada em comparação com a verdade “presente”. Se a Bíblia não proporciona as respostas sobre a “verdade presente” como saberemos qual é a verdade?
Se a verdade é apenas para o tempo e a cultura atual, há somente algumas formas pelas quais podemos conhecer a verdade presente. Podemos ter um profeta ou líder (tal como o Papa) com uma conexão direta a Deus para nos fornecer as respostas acerca dos assuntos que importam hoje para Deus. Podemos ter líderes e mestres que aplicam os princípios encontrados nas Escrituras para chegar à nova “verdade presente”. Se confiarmos em um profeta ou líder eclesiástico para definir a verdade atual, admitiremos que nossa fonte de verdade não é apenas a Escritura. Claro, podemos ter reverência para com as Escrituras. Mas chegamos à conclusão de que o profeta ou líder nos dando este entendimento da verdade presente detém mais autoridade que a Bíblia.
Baseado nas informações disponíveis, a doutrina Adventista oficial sobre a inspiração pode ser resumida da seguinte forma:
• Firmemente enraizada na inspiração dinâmica
• Abraça a revelação progressiva
• Rejeita a inerrância
• Afirma a infalibilidade sob uma perspectiva limitadíssima
O único aspecto das Escrituras que a doutrina Adventista define como sendo completamente preciso (infalível) é a “revelação da vontade (de Deus)”. Esta declaração é mais complicada do que parece à primeira vista. Se a Bíblia é infalível nas passagens sobre a vontade de Deus, pode parecer que ela é infalível em uma grande extensão de seu conteúdo. Vamos voltar a um exemplo anterior. As Escrituras dizem que um ministro deve ser “marido de uma só mulher”. Isto parece indicar qual é a vontade Deus para a consagração de ministros na igreja. Se a Bíblia é completamente precisa nesta declaração, um ministro deve ser um homem casado, heterossexual e monógamo. Contudo, adicionar o modificador “revelação de” a esta infalibilidade permite uma gama de diferentes abordagens desta passagem.
Questionar o que uma passagem revela sobre a vontade de Deus é um processo completamente subjetivo. O que eu concluo que foi pessoalmente revelado a mim pode facilmente ser totalmente diferente do que você conclui que foi pessoalmente relevado a você. Eu posso rapidamente identificar várias possíveis revelações da vontade de Deus que uma pessoa poderia extrair desta passagem:
• Um ministro deve ser um homem casado, heterossexual e monógamo
• Um ministro deve estar neste momento em um relacionamento monógamo
• Um ministro deve ser um membro respeitado da sociedade
Se o critério for de que as Escrituras apenas “revelam” a vontade de Deus, diversas “verdades pessoais” podem se tornar válidas. Assim, não existe uma única verdade. Pode haver uma “verdade presente”, baseada na cultura e necessidades do momento atual. Há espaço até mesmo para verdades individuais baseadas em nossas experiências pessoais. A afirmação da infalibilidade nesta Crença Fundamental se faz insignificante por conta da limitação que esta infalibilidade sofre. Torna-se impossível chegar a claras conclusões doutrinárias dentro deste sistema de pensamento. A presente discussão em torno da ordenação de pastoras mulheres na igreja Adventista é um exemplo do resultado que esta abordagem doutrinária proporciona. Se torna impossível apelar para as Escrituras ao buscar uma resposta para esta questão. A única autoridade capaz de decidir seria uma votação dentro da igreja Adventista. E, aparentemente, mesmo essa autoridade pode ser rejeitada por indivíduos que discordem da votação realizada.
A pergunta por detrás disto é, “As palavras das Escrituras são importantes?” Podemos desconsiderar o que a Escritura nos diz quando ela não se alinha às nossas sensibilidades modernas acerca do que é verdadeiro? Podemos decidir por nós mesmo que a intenção das Escrituras era diferente daquilo que foi de fato escrito porque notamos um princípio ou pensamento subjacente que nos dá uma resposta diferente do que a Bíblia dá?
Eu acredito que quando colocamos nosso entendimento acima das simples palavras das Escrituras, escolhemos colocar-nos a nós mesmos acima de Deus. Estamos louvando a outro deus. Quer esse deus seja o modernismo, a razão humana, ou apenas nós mesmos, selecionamos uma autoridade diferente e mais elevada.
Eu argumento que quando as declarações nas Escrituras não são mais cridas e aceitas pelo que elas dizem, pura e simplesmente, nós não podemos mais nos chamar de “o Povo do Livro”. Não podemos mais afirmar que somos seguidores de Deus. Nos tornamos seguidores de nós mesmos e de nossa compreensão “superior”. Há, porém, uma simples solução. Que nos submetamos diariamente ao que a Palavra ensina. Em vez de tentarmos manipular a Palavra para que ela ensine aquilo que desejamos, crermos de fato no que está escrito e permitir que ela nos transforme.

Traduzido por:

Henrique Amaral, Tradutor Freelancer
Henrique.Amaral@translations.com

Deborah Buffone
Deborah Buffone

Deborah nasceu e cresceu rodeada por Adventistas. Sempre fiel e respeitada dentro do sistema Adventista, Deborah foi credenciada pela Uniao Nordeste Brasileira, em 1994 , onde atuou como secretaria dos departamentos de Jovens, Escola Sabatina e Mordomia. Em 1998 pediu demissao e mudou-se para os Estados Unidos, onde mora hoje e atua como Diretora Regional do Former Adventist Fellowship FAF para todo o Brasil.

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